VÍdeos de trabalhos recentes podem ser vistos no canal de Ton MarMel no Youtube no endereço
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A
RAZÃO DA EMOÇÃO NA TÉCNICA DE TON MARMEL
Isabell Sanches entrevista hoje Ton MarMel,
jurista pós-graduado em direito público e artista visual detentor de diversos
prêmios.
Ton Marmel fique a vontade para nos fazer
conhecer um pouco de seus trabalhos. Receba as boas vindas e sinta-se querido
por esse espaço que lhe és cedido.
Isabell Sanches: Onde e quando surgiu Ton
Marmel?
Em verdade, Ton MarMel é abreviatura,
apelido e logotipo nascido do próprio nome de registro civil “anTONio MARtins
MELo” quando dos primeiros trabalhos artísticos, por necessidade de uma
assinatura pessoal e identidade visual face a grande quantidade e diversidade
de trabalhos que sempre se produziu, desde os primeiros anos de infância,
quando se manifestaram os primeiros traços de criatividade em desenhos e
pinturas detectados por professores ainda no jardim de infância.
Posteriormente, por quando do primeiro e
segundo graus escolares, houveram dezenas de participações em salões de artes
de âmbito local e nacional, exposições individuais e coletivas em Brasília-DF,
Goiânia-GO, Rio de Janeiro-RJ, São Paulo-SP e algumas no exterior, quando os
trabalhos passaram a constar de catálogos e acervos de algumas instituições, a
exemplo do Instituto Cultural Itaú-SP, MAB- Museu de Arte de Brasília, BNB-
Biblioteca Nacional, Congresso Nacional, embaixadas e representações
diplomáticas sediadas em Brasília.
Isso, ocorreu com frequência até época do
vestibular. Na ocasião da escolha do curso superior não havia dúvida quanto ao
curso acadêmico a ser cursado, que seria artes plásticas, inicialmente.
Contudo, o retorno financeiro que o futuro docente de artes iria auferir no
Brasil era desanimador, pois professor ganhava muito mal. Então, como a
habilidade artística era algo natural, que não dependia de formação acadêmica,
pois a formação acadêmica apenas iria enriquecer e acrescentar àquilo que já
era natural e profissional, resolvi ingressar na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo em São Paulo embalado pelos sonhos de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.
Sucede que, como a situação econômica do
país era muito instável, ao concluir o curso de arquitetura e urbanismo, a boa
situação na construção civil, inicialmente, havia mudado, e um novo quadro de
recessão e desânimo na construção civil se instalou e poucas eram as obras em
andamento; resultando disso, o meu ingresso na Faculdade de Direito do Distrito
Federal como alternativa financeira para sobrevivência mais confortável. Fatos
esses que jamais afastaram ou impediram o constante exercício das artes
visuais.
Ao decidir pintar o que te inspirou?
Veja bem, eu não escolhi nem decidi pintar
como algo pensado. As várias técnicas de expressão artística foram aparecendo
naturalmente na medida em que trabalhava, se sucediam como novas
experimentações. Minha iniciação se deu pelo desenho e o desenho trouxe à
pintura; a pintura trouxe à escultura, e a escultura se manteve com meio único
de expressão durante muito tempo. Posteriormente, devido a falta de espaço,
facilidade de adaptação e disponibilidade de tempo, a pintura retornou, e
atualmente há até investidas em cinema de animação. Mas, o meio material de
expressão nunca foi único e exclusivo, ou o mais importante na arte. Aliás, o
suporte, o meio material de expressão sempre foi secundário, e todos são
válidos, pois o importante é o conteúdo, a mensagem, e não a mera aparência que
o objeto artístico possa possuir para integrar e compor um ambiente como mais
um detalhe e acessório de decoração.
Mas, o que inspirou? O que inspira? O que
move-me e demove-me a utilizar meios artísticos de expressão? É uma pergunta
que não tem resposta imediata. Afinal, como justificar o porquê de se gostar de
“A’ e não de “B” ou de “C”?! Sem dúvida, a emoção associada a temas sociais
diversos são identificações e temáticas constantes na minha produção, mas as
identificações temáticas são os canais que todos temos para dar vazão ao
conteúdo emocional e intelectual de alguma coisa, que foram impulsionados por
alguma força, por alguma razão, e esse motivo é que não se consegue traduzir
com precisão em palavras. Afinal, assim como a energia elétrica e o vento, a inspiração
existe, e embora não possa ser tocada ou vista inicialmente, sabemos que
existe, não duvidamos de seus efeitos, e nos beneficiamos com seus mais
variados usos.
Por outro lado, existem temas que são
predominantes, que possuem minha preferência. Tais temas estão associados –
como já foi dito – a questões sociais e humanitárias, voltadas ao ser humano e
a vida em sua plenitude; jamais utilizei como tema figuras e formas únicas,
coisas e objetos decorativos e temporais como fotografias, flores, paisagens,
imagens figurativistas e acadêmicas, eis que as formas são simples meios de
expressão que devem servir de meio de expressão e suporte para o intelecto e
emoção, e não devem jamais serem usadas e vistas como a expressão artística
principal e única, como foi a fotografia e a pintura de paisagem no passado
remoto, quando a fotografia era raridade e único meio de se imortalizar a
imagem de pessoas e lugares, eis que hoje se dispõe de inúmeras ferramentas de
trabalho em artes muito mais precisas e ricas, tal como muitos artistas geniais
empregaram no passado distante outros tantos artistas geniais para compor
grandiosas obras do acervo da humanidade.
Alguém lhe despertou para o mundo das
artes?
O despertar para o universo das artes foi
na infância, de parto normal, sem referências pessoais. Não houve uma
indicação, uma inspiração e despertar único. Houve um nascimento para uma
situação e para um universo de expressão sem dor que encontrou acolhida
instintiva de minha parte e incentivo de professores em escolas depois. Mas o
início não se deu em escola propriamente dita. O despertar aconteceu em
desenhos feitos no chão de estacionamentos de carros e tapumes de canteiros de
obras de construção civil e muros, com pedaços de tijolos, giz, gesso, carvão,
pedaços e restos de madeira e papelão, coisas que primos até hoje recordam.
Anos depois descobri que minha mãe e tias pintavam também, desde telas a louças
e tecidos, mas nada disso posso atribuir a um despertar para o mundo das artes.
Como entende que uma obra deve ser
analisada?
Quando se fala em analisar alguma coisa se
faz referência expressa ao entendimento, a capacidade de compreender,
raciocinar, pensar sobre alguma coisa e absorver o resultado da análise de
alguma coisa. A meu ver, arte não é para ser analisada pois não se tem um
roteiro e uma fórmula pronta com resultado científico inquestionável. Arte é um
estado de espírito em face de uma situação proposta e concreta, e em face da
situação proposta que se depara se pode gostar ou não gostar do que se infere,
do que se recebe, do que se percebe, da energia que o objeto lhe transmite e
inspira. Diante de uma obra de arte normalmente se tem a obra - evidente! - e
quando muito se tem um título que servirá de guia, de indicativo de roteiro
para se começar uma síntese pessoal, emocional e racional, do que o autor da
obra pretendeu, e, de posse de pelo menos um desses dois elementos referenciais
se deve partir para apreciação e deleite do objeto utilizando os sentidos da
visão, tato, gustação, audição, enfim, todos os sentidos permissíveis para a
interação com o objeto artístico que pode ser inclusive uma comida, pode exalar
cheiro e ser palpável, deixando para o final - às vezes muito tempo depois - o
saldo racional e conclusivo da análise: gosto, não gosto! Gosto porque... Não
gosto porque... Entendi isso... Não entendi aquilo e nem "triquilo"!
Crê que a arte seja dom?
Arte é dom, é vocação, é identidade pessoal
como acontece com qualquer outro profissional em relação ao seu ofício e
ciência. É muito mais que simples treino e repetição de técnicas com alguma
qualidade de resultado. É muito mais que simples habilidade manual e facilidade
de manuseio de ferramentas, tintas, cinzéis, formões e pinceis. É muito mais
que trabalho eventual de final de semana para ocupar o tempo de senhores idosos
e aposentados. É infinitamente mais amplo e totalmente diferente de um mero
lazer e terapia ocupacional pois quem faz terapia é quem possui algum problema,
quem tem alguma dificuldade clínica do tipo emocional, físico, psicológica, por
recomendação de médicos psiquiatras ou psicólogos, e, muito embora existam
artistas que são completamente alienados mentais, mesmo o trabalho resultante
dessa alienação não é coisa de louco. Muito ao contrário. A arte não tem nada
de débil mental embora algumas pessoas imaginam, e o exemplo mais clássico que
se tem na história das artes visuais foi o de Vincent Van Gogh que padecia
profundamente de depressão e entrava em crises vez ou outra, que num surto
depressivo amputou a própria orelha, e que em outro surto mais grave, às
vésperas de uma noite de Natal, suicidou-se. Portanto a arte é um estado de
alerta dos sentidos, de despertar para uma sensibilidade e capacidade de
compreensão mais intensos que o experimentado pela maioria das pessoas que inclusive
se identificam com o objeto da arte, mas que não possuem a mesma capacidade
criadora e expressiva.
Veja bem, não estou querendo dizer com isso
que hoje em dia uma simples pintura de paisagem, flores, cenas bucólicas do
cotidiano não tenham beleza e não sirvam como objetos de decoração. Não é isso!
Há gosto para tudo, inclusive para os saudosistas da pacata vida no meio rural
e campestre. Mas, em verdade, esse tipo de pintura já foi arte no passado
remoto, pobre de ferramentas, meios e modos de expressão artística, e hoje não
traduz e não reflete o conceito de arte. Hoje, um computador é uma ferramenta
extremamente precisa em termos de linhas e que oferece uma palheta de cores
jamais vistas pelo ser humano, que pode produzir resultados nunca antes
imagináveis, mas jamais um computador será artista por faltar-lhe o elemento
criativo, emocional, pensante e humano. Assim, um cesto artesanal de vime para
flores foi arte no início dos tempos remotos, mas hoje - como dizem os
feirantes – não requer muita prática e nem tão pouco habilidade.
Como resolve a tua maneira na pintura?
O modo e meio de expressão dependem do que
será abordado. Afinal, como já foi bem dito: “O modo de produção da vida
material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a
consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser
social que determina a sua consciência”. Assim, como meus temas são abstratos
em termos de conceito, jamais são figurativos, a exemplo da paz, do amor, da
justiça, do bem, do bom, do belo, tenho liberdade de adotar qualquer suporte e
figura que melhor possa sintetizar e representar o conteúdo a ser abordado.
Tens uma certa tela distinta da qual nunca
se desfez?
De tempos em tempos costumo fazer um
balanço da produção mais recente, geralmente quando vou começar uma fase de
produção nova. Assim, sempre que posso costumo separar e reter para acervo pelo
menos um trabalho significativo de cada série, por isso não tenho uma tela
única, mas possuo vários trabalhos inclusive esculturas que compõem um acervo
representativo que não compensa vender ou doar pelos mais variados motivos,
como por exemplo um trabalho histórico pintado em 1988, época da Constituinte
no Brasil, titulado Guernica Brasileira.
Guernica é um painel pintado por Pablo
Picasso em 1937 por ocasião da Exposição Internacional de Paris. Foi exposto no
pavilhão da República Espanhola, medindo 350 por 782 centímetros, foi pintado a
óleo e é tratado como a pintura mais representativa do bombardeio sofrido pela
cidade espanhola de Guernica em 26 de abril de 1937 por aviões alemães. É um
dos quadros que melhor transmite o desespero da guerra face a inimigo externo.
Particularmente, depois de começar a
trabalhar com esculturas, que assumi a pintura, imediatamente o linearismo
excessivo desse cubista maior virou-me um vício, uma verdadeira doença de
difícil cura e libertação que no início deu-me muito prazer. Mas todos buscam
sua grafia própria, suas características, sua identidade no mundo e eu não fugi
a essa regra. Me lembro que a influência foi tanta que cheguei a pintar uma
tela que titulei Guernica Brasileira (em 1988, época da Constituinte no Brasil)
totalmente inspirado no quadro Guernica, inclusive com utilização de vários
detalhes criados pelo Picasso; e há entre os dois trabalhos uma relação de
identidade muito forte não apenas na aparência, mas no contexto e relato
histórico principalmente. Guernica é a pintura-painel mais representativa do
bombardeio sofrido pela cidade espanhola de Guernica em 26 de abril de 1937 por
aviões alemães do nazismo, ou seja, retrata o sofrimento e luta contra inimigos
e ditaduras invasoras, externas. Guernica Brasleira - que pintei - em plena
época da Constituinte no Brasil de 1988, relata a luta, o sofrimento do povo
brasileiro contra os próprios brasileiros, inimigos internos do Brasil, em
especial os pertencentes à classe política, face a ausência no texto da
Constituição de temas de vitais importância e seriedade, tal como a corrupção
que ainda assola e padecemos os seus efeitos na rabeira da história.
Em que se fundamenta quando começas a
pintar?
Veja bem, fundamentar é um verbo que se
traduz em lançar fundamentos ou alicerces, firmar, assentar em bases algo que é
fruto do raciocínio e nasce do pensar frio e técnico. Eu não sou pintor, nem
desenhista, nem escultor, nem tão pouco artista plástico que é título genérico,
dos mais genéricos que existem. Sou simplesmente artista visual. Trabalho com
emoções expressas visualmente, que são traduzidas em conceitos abstratos
comuns, não trabalho com imagens, com formas e figuras. Trabalho com arte
conceitual e gestual.
Para mim qualquer material, tela, madeira,
escrita, papel, sons, filme, enfim, qualquer suporte que se utilize para
expressão e transmissão de emoção e conceito é válido e é arte, desde que
possua emoção como contexto de mensagem detectável e uma história a ser
contada, e de tudo isso resulte em sensação de bem estar e beleza para deleite
humano. Portanto, o fundamento é a emoção e pouco importa o veículo transmissor
da emoção, se pintura, escultura, vídeo, música.
Conhece pintores autodidatas?
Se conheço artistas autodidatas, sim. Eu
sou artista visual autodidata e conheço vários iguais, inclusive no Facebook e
em várias redes sociais.
Quem você cita como seus pintores
preferidos?
Pintores propriamente ditos, não, mas
artistas tais como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Rembrandt, Salvador Dali,
Picasso, Michelangelo, Antônio Francisco Lisboa (o Aleijadinho), e centenas de
outros que admiro.
Alguém lhe influenciou ao mundo das artes?
Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Rembrandt,
Salvador Dali, Picasso, Michelangelo, Antônio Francisco Lisboa (o Aleijadinho).
Como você delibera a arte na sua vida?
Uma vez perguntaram para Albert Einstein o
que era mais importante, se a imaginação ou o conhecimento, e ele veio com a
seguinte resposta: “A imaginação é mais importante que o conhecimento. O
conhecimento é limitado. A imaginação envolve o mundo.”
Ora, se eu dissesse simplesmente que a arte
para mim é vital, tal como a água é para a existência de vida humana,
certamente estaria sendo simplório, e, provavelmente, haveria quem preferisse
ouvir que não há serpente ou monstro odioso que, pela arte imitado, não possa
agradar aos olhos; ou, ainda: que “em arte só uma coisa conta: o que não pode
ser explicado”.
Assim, como prova evidente de conceitos
vários tem-se que Voltaire, em suas Sátiras, na obra O Mundano, afirmou que o
paraíso é onde estou, enquanto Schiller, em seu Dom Carlos, no Ato I, afirmou
que um momento vivido no paraíso não se paga caro demais com a morte. Por outro
lado, Proust, no seu O Tempo Reencontrado, escreveu que os verdadeiros paraísos
são os paraísos que se perderam, ao passo que Jorge Luís Borges, figura o
paraíso sob a forma de uma biblioteca, enquanto Miguel Torga, em suas Penas do
Purgatório, definiu o paraíso como sendo a bem-aventurança natural. Um paraíso
onde se possa ir - árvores do bem e do mal, e na porta este aviso paternal: - É
proibido proibir!
Portanto, cada um vê o que lhe parece
conveniente e poucos sentem o quê ou quem és na realidade. Daí a despreocupação
de como me pareço aos olhos dos outros. Assim, curei-me de uma afecção
terrível: a de preocupar-me de como pareço aos olhos dos outros e passei
tão-somente a me preocupar de como pareço diante de Deus. Afinal, as
particularidades são favoráveis à virtude e à felicidade. As generalidades é
que, do ponto de vista intelectual, são males necessários.
Enfim, seja como for, vale lembrar o que
escreveu Unamuno em seu Diário Íntimo: “Assim como Deus pôs deleite na
procriação e na nutrição para que façamos de bom grado o que não faríamos por
dever, assim pôs deleite de vanglória nos trabalhos de arte e de ciência para
que os executemos. Mas, assim como aquele deleite carnal, aquela concupiscência
é causa de morte de muitos, assim é causa de morte este deleite espiritual,
quando se nutre de soberba de espírito.” Afinal, é na arte que o homem se
realiza e se ultrapassa definitivamente.
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