A ABDUÇÃO é uma das três formas canônicas
de inferência para estabelecer hipóteses científicas. As outras duas são a
indução e a dedução.
A intuição pode ser o ponto de chegada, a conclusão
de um processo de conhecimento, e pode também ser o ponto de partida de um processo
cognitivo. O processo de conhecimento, seja o que chega a uma intuição, seja o
que parte dela, constitui a razão discursiva ou o raciocínio.
Ao contrário da intuição, o raciocínio é o
conhecimento que exige provas e demonstrações e se realiza igualmente por meio
de provas e demonstrações das verdades que estão sendo conhecidas ou
investigadas. Não é um ato intelectual, mas são vários atos intelectuais
internamente ligados ou conectados, formando um processo de conhecimento.
Um caçador sai pela manhã em busca da caça. Entra
no mato e vê rastros: choveu na véspera e há pegadas no chão; pequenos galhos
rasteiros estão quebrados; o capim está amassado em vários pontos; a carcaça de
um bicho está à mostra, indicando que foi devorado há poucas horas; há um
grande silêncio no ar, não há canto de pássaros, não há ruídos de pequenos
animais.
O caçador supõe que haja uma onça por perto. Ele
pode, então, tomar duas atitudes. Se, por todas as experiências anteriores,
tiver certeza de que a onça está nas imediações, pode preparar-se para
enfrentá-la: sabe que caminhos evitar, se não estiver em condições de caçá-la;
sabe que armadilhas armar, se estiver pronto para capturá-la; sabe como
atraí-la, se quiser conservá-la viva e preservar a espécie.
O caçador pode ainda estar sem muita certeza se há
ou não uma onça nos arredores e, nesse caso, tomará uma série de atitudes para
verificar a presença ou ausência do felino: pode percorrer trilhas que sabem
serem próprias de onças; pode examinar melhor as pegadas e o tipo de animal que
foi devorado; pode comparar, em sua memória, outras situações nas quais esteve
presente uma onça, etc.
Assim, partindo de indícios, o caçador raciocina
para chegar a uma conclusão e tomar uma decisão. Temos aí um exercício de
raciocínio empírico e prático (isto é, um pensamento que visa a uma ação) e que
se assemelha à intuição sensível ou empírica, isto é, caracteriza-se pela
singularidade ou individualidade do sujeito e do objeto do conhecimento.
Quando, porém, um raciocínio se realiza em condições
tais que a individualidade psicológica do sujeito e a singularidade do objeto
são substituídas por critérios de generalidade e universalidade, temos a dedução,
a indução e a abdução.
A dedução
Dedução e indução são procedimentos
racionais que nos levam do já conhecido ao ainda não conhecido, isto é,
permitem que adquiramos conhecimentos novos graças a conhecimentos já
adquiridos. Por isso, se costuma dizer que, no raciocínio, o intelecto opera
seguindo cadeias de razõesou os nexos e conexões internos e
necessários entre as idéias ou entre os fatos.
A dedução consiste em partir de
uma verdade já conhecida (seja por intuição, seja por uma demonstração
anterior) e que funciona como um princípio geral ao qual se subordinam todos os
casos que serão demonstrados a partir dela. Em outras palavras, na dedução
parte-se de uma verdade já conhecida para demonstrar que ela se aplica a todos
os casos particulares iguais. Por isso também se diz que a dedução vai do geral
ao particular ou do universal ao individual. O ponto de partida de uma dedução
é ou uma idéia verdadeira ou uma teoria verdadeira.
Por exemplo, se definirmos o triângulo como uma
figura geométrica cujos lados somados são iguais à soma de dois ângulos retos,
dela deduziremos todas as propriedades de todos os triângulos possíveis. Se
tomarmos como ponto de partida as definições geométricas do ponto, da linha, da
superfície e da figura, deduziremos todas as figuras geométricas possíveis.
No caso de uma teoria, a dedução permitirá que cada
caso particular encontrado seja conhecido, demonstrando que a ele se aplicam
todas as leis, regras e verdades da teoria. Por exemplo, estabelecida a verdade
da teoria física de Newton, sabemos que: 1) as leis da física são relações
dinâmicas de tipo mecânico, isto é, se referem à relações de força (ação e
reação) entre corpos dotados de figura, massa e grandeza; 2) os fenômenos
físicos ocorrem no espaço e no tempo; 3) conhecidas as leis iniciais de um
conjunto ou de um sistema de fenômenos, poderemos prever os atos que ocorrerão
nesse conjunto e nesse sistema.
Assim, se eu quiser conhecer um ato físico
particular - por exemplo, o que acontecerá com o corpo lançado no espaço por
uma nave espacial, ou qual a velocidade de um projétil lançado de um submarino
para atingir um alvo num tempo determinado, ou qual é o tempo e a velocidade
para um certo astro realizar um movimento de rotação em torno de seu eixo -,
aplicarei a esses casos particulares as leis gerais da física newtoniana e
saberei com certeza a resposta verdadeira.
A dedução é um procedimento pelo qual um fato ou
objeto particulares são conhecidos por inclusão numa teoria
geral.
Costuma-se representar a dedução pela seguinte
fórmula:
Todos os x são y (definição
ou teoria geral);
A é x (caso particular);
Portanto, A é y (dedução).
Exemplos:
1.
Todos os homens (x) são mortais (y);
Sócrates (A) é homem (x);
Portanto, Sócrates (A) é mortal (y).
2.
Todos os metais (x) são bons condutores de
eletricidade (y);
O mercúrio (A) é um metal (x);
Portanto, o mercúrio (A) é bom condutor de
eletricidade (y).
A razão oferece regras especiais para realizar uma
dedução e, se tais regras não forem respeitadas, a dedução será considerada
falsa.
A indução
A indução realiza um caminho
exatamente contrário ao da dedução. Com a indução, partimos de casos
particulares iguais ou semelhantes e procuramos a lei geral, a definição geral
ou a teoria geral que explica e subordina todos esses casos particulares. A
definição ou a teoria são obtidas no ponto final do percurso. E a razão também
oferece um conjunto de regras precisas para guiar a indução; se tais regras não
forem respeitadas, a indução será considerada falsa.
Por exemplo, colocamos água no fogo e observamos
que ela ferve e se transforma em vapor; colocamos leite no fogo e vemos também
que ele se transforma em vapor; colocamos vários tipos de líquidos no fogo e
vemos sempre sua transformação em vapor. Induzimos desses casos particulares
que o fogo possui uma propriedade que produz a evaporação dos líquidos. Essa
propriedade é o calor.
Verificamos, porém, que os diferentes líquidos não
evaporam sempre na mesma velocidade; cada um deles, portanto, deve ter
propriedades específicas que os fazem evaporar em velocidades diferentes.
Descobrimos, porém, que a velocidade da evaporação não é o fato a ser observado
e sim quanto de calor cada líquido precisa para começar a evaporar. Se
considerarmos a água nosso padrão de medida, diremos que ela ferve e começa a
evaporar a partir de uma certa quantidade de calor e que é essa quantidade de
calor que precisa ser conhecida. Podemos, a seguir, verificar um fenômeno
diferente. Vemos que água e outros líquidos, colocados num refrigerador,
endurecem e se congelam, mas que, como no caso do vapor, cada líquido se
congela ou se solidifica em velocidades diferentes. Procuramos, novamente, a
causa dessa diferença de velocidade e descobrimos que depende tanto de certas
propriedades de cada líquido quanto da quantidade de frio que há no
refrigerador. Percebemos, finalmente, que é essa quantidade que devemos
procurar.
Com essas duas séries de fatos (vapor e
congelamento), descobrimos que os estados dos líquidos variam (evaporação e
solidificação) em decorrência da temperatura ambiente (calor e frio) e que cada
líquido atinge o ponto de evaporação ou de solidificação em temperaturas
diferentes. Com esses dados podemos formular uma teoria da relação entre os
estados da matéria - sólido, líquido e gasoso - e as variações de temperatura,
estabelecendo uma relação necessária entre o estado de um corpo e a temperatura
ambiente. Chegamos, por indução, a uma teoria.
A dedução e a indução são conhecidas com o nome
de inferência, isto é, concluir alguma coisa a partir de outra já
conhecida. Na dedução, dado X, infiro (concluo) a, b, c, d.
Na indução, dados a, b, c, d,
infiro (concluo) X.
A abdução
O filósofo inglês Peirce considera que, além da
dedução e da indução, a razão discursiva ou raciocínio também se realiza numa
terceira modalidade de inferência, embora esta não seja propriamente
demonstrativa. Essa terceira modalidade é chamada por ele de abdução.
A abdução é uma espécie de intuição, mas que não se
dá de uma só vez, indo passo a passo para chegar a uma conclusão. A abdução é a
busca de uma conclusão pela interpretação racional de sinais, de indícios, de signos.
O exemplo mais simples oferecido por Peirce para explicar o que seja a abdução
são os contos policiais, o modo como os detetives vão coletando indícios ou
sinais e formando uma teoria para o caso que investigam.
Segundo Peirce, a abdução é a forma que a razão
possui quando inicia o estudo de um novo campo científico que ainda não havia
sido abordado. Ela se aproxima da intuição do artista e da adivinhação do
detetive, que, antes de iniciarem seus trabalhos, só contam com alguns sinais
que indicam pistas a seguir. Os historiadores costumam usar a abdução.
De modo geral, diz-se que a indução e a abdução são
procedimentos racionais que empregamos para a aquisição de
conhecimentos, enquanto a dedução é o procedimento racional que empregamos
para verificar ou comprovar a verdade de um
conhecimento já adquirido.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São
Paulo: Ed. Ática, 2000.
(Filmado nas instalações do Centro Cultural do Banco do Brasil
de Belo Horizonte durante exposição O CORPO É A CASA, de Erwin Wurm).
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