O
TRABALHO DE ALGUNS ARTISTAS REVELA COMO PATOLOGIAS NEURAIS E PROBLEMAS NOS
OLHOS PODEM INFLUENCIAR A FORMA DE EXPRESSÃSO E MODO VER.
Particularmente,
eu sempre usei óculos desde a infância e apesar de não gostar nem um pouco desse
objeto que para muitos é adereço indispensável de charme e para outros objeto
necessário (dependendo da situação, ocasião e meio), o fato é que sempre usei
óculos desde a infância e sempre trabalhei também com artes devido a problemas oftálmicos
de astigmatismo e hipermetropia e tais defeitos físicos jamais influenciaram
minha maneira de expressão e pensamento artístico na medida em que a arte
visual é meio e não um fim para a expressão artística e jamais meus trabalhos
foram apenas figurativistas.
Assim,
não é verdade que toda criação artística é ilusória! Prova disso são as obras
tácteis, como esculturas, e as que se realizam através da intervenção e
adquirem sua existência plena com a participação e envolvimento direto do
público expectador.
Assim,
aos que afirmam que toda criação artística é ilusória lembra-se que só podem
ser consideradas assim as obras estritamente visuais e em alguns aspectos. se
considerarmos que envolve o afastamento
da realidade e a filtragem feita pela mente do criador, ou seja, apenas
pinturas e desenhos.
E
sendo assim, é fato que a subjetividade não se aplica apenas a obras abstratas,
mas também à arte representativa, figurativa, em que aquele que cria traduz
suas percepções em um objeto físico capaz de induzir uma concepção semelhante
no espectador.
Em geral, pintores
figurativistas (dentre eles os retratistas, paisagistas, etc.) reproduzem o
mundo tridimensional sobre uma superfície plana. Essas representações são
suficientes para suspender a incredulidade do sistema visual e desencadear uma
enxurrada neural que permite ver banhistas, pontes e margaridas. Não se trata
da realidade. Mas de como o artista enxerga e quer retratá-la. Sua concepção é
uma mistura de expectativas, memórias, suposições, imaginação e intenções. É
também, de certa forma, um reflexo de atalhos neurais e processos visuais
básicos.
A cena se torna
ainda mais complexa quando os pintores sofrem de patologias visuais ou neurais
que interferem na maneira como enxergam as coisas ao redor, às vezes bastante
diferente da “experiência padrão” (normal?!). As obras produzidas por esses
artistas nos permitem compreender como percebem (ou não) o mundo, seja de modo
intencional ou acidental, ou simples questão de estilo ou mesmo modismo
momentâneo.
O
enfraquecimento da visão, por exemplo, pode se traduzir em uma perda da
precisão e dos detalhes nas pinturas. As imagens da artista americana Georgia O'Keeffe
se tornaram mais planas e menos complexas depois que ela desenvolveu
degeneração macular bilateral relacionada à idade, uma doença da retina que afeta
a visão central de alta resolução. De forma semelhante, trabalhos da pintora
americana Mary Cassat mostram uma incomum falta de delicadeza nos traços depois
que desenvolveu catarata. O impressionista francês Claude Monet também tinha
essa patologia nos olhos, o que deixou suas pinturas imprecisas e com cores
apagadas. Depois que enfrentou uma cirurgia bem sucedida as obras recuperaram a
definição e a vivacidade.
Como
demonstram os exemplos a seguir, podemos detectar os efeitos de doenças da
visão ou do cérebro em muitos artistas.
BAILARINAS DE
EDGAR DEGAS
O
artista francês viveu de 1834 a 1917 e experimentou a perda visual
progressiva nos últimos 30 anos de sua vida. Em 2006, o oftalmologista Michael
F. Marmor usou informações retiradas das correspondências do pintor e
simulações de sua percepção feitas com computador para tentar traçar um
diagnóstico e entender melhor como ele teria experimentado o mundo.
Marmor concluiu que em Degas a visão
central, por meio da qual temos maior acuidade e nitidez das imagens,
diminuiu em seus últimos anos de vida. Muitos aspectos de sua arte, até então
bastante vigorosa - como o sombreamento, a cor e a composição global-,
em grande parte se perderam. Depois que esse aspecto ocular enfraqueceu, as
obras ficaram mais grosseiras e com menos requinte. No entanto, é provável que
o próprio Degas não tenha notado nenhuma diferença fundamental entre suas
produções anteriores e as pinturas de anos mais tarde, como essa representação
de bailarinas de seus últimos anos. Ele teria sido igualmente incapaz de focar
a visão central nas primeiras obras. Marmor suspeita que as produções
posteriores parecessem mais suaves e naturais aos olhos do pintor
(filtradas pela patologia visual) do que aos dos espectadores sadios.
IMAGENS TERRÍVEIS
As
obras do pintor britânico do século 20 são notórias pela perturbação e causam
nos espectadores. O artista, uma vez
descrito por Margaret Thatcher como "o homem que pinta imagens terríveis”
inovou na maneira de proporcionar um "choque visual" no público. Os
neurocientistas Semir Zeki e Tomohiro Ishizu, Universidade College London,
argumentam que as faces alteradas e os corpos desfigurados de Bacon - muitas vezes reminiscências de violência e mutilação-
provocam aflição em muitos observadores por causa da maneira como subvertem
os modelos neurais da forma humana. Várias partes do cérebro, como a região
fusiforme facial e as áreas do corpo extraestriado
e fusiforme, são especializadas no reconhecimento das feições e do físico.
Segundo Zeki e Ishizu as pinturas do artista são apenas "suficientemente
coerentes" com a figura humana real que essas estruturas cerebrais
reconhecem. O que impressiona o espectador são os detalhes dos retratos de
Bacon: são tão distorcidos que chegam a romper as expectativas do cérebro em
relação ao corpo. Por isso, o efeito costuma criar sensação de desconforto em
quem vê as obras.
O
neuroftalmologista Avinoam B. Safran e seus colegas da Universidade de Genebra
acreditam que o pintor sofria de uma doença neurológica rara chamada dismorfopsia, que conduz progressivamente a
percepções inconstantes e
distorcidas. Em alguns pacientes, as deformações e modificações ilusórias a principalmente
a percepção de rostos e corpos. De fato,
Bacon descrevia faces que sempre mudavam, em e que a boca e a cabeça estavam em constante movimento. Segundo
Safran, os efeitos das deformações perceptivas do pintor sobre sua arte não são exclusivos: desenhos feitos por um
paciente com dismorfopsia, causada por um tumor denominado meningioma, também apresentam concepções alteradas a
respeito de pessoas, e é notável a semelhança com os retratos de Bacon.
EL GRECO TINHA
ASTIGMATISMO?
Suas pinturas do século 16 e do
17 são povoadas pelas famosas figuras alongadas. As formas curiosas renderam
especulações de que o pintor pudesse ter sofrido de astigmatismo, uma falha
óptica. Acreditava-se que as lentes de óculos que usava pudessem ter favorecido
o problema, produzindo imagens na retina esticadas horizontalmente, o que teria
levado o mestre a pintar figuras altas e magras que pareceriam comuns para ele.
Para testar a hipótese, o
neurocientista Stuart Anstis, da Universidade da Califórnia em San Diego,
alterou a capacidade de visão de voluntários sadios para que enxergassem de
maneira similar a EI Greco. Para isso, usaram um telescópio específico que
estendeu horizontalmente em 30% as imagens da retina. Curiosamente, o cientista
observou o efeito "EI Greco" nos desenhos feitos a partir da
recordação, mas não quando eram copiados: por mais que os voluntários tentassem
desenhar de memória um quadrado, acabavam produzindo um retângulo comprido e
afilado; mas, ao tentar copiar uma figura real, desenhavam uma réplica bastante
semelhante.
Então, para simular o
astigmatismo ao longo da vida, Anstis pediu a uma participante do experimento
que usasse o telescópio que provocava distorção por dois dias seguidos. Ela
desenhou de cabeça e copiou os quadrados quatro vezes a cada 24 horas. Quando
podia visualizar o modelo, reproduzia de maneira praticamente idêntica, que não
acontecia quando evocava a forma da memória: nesse caso, a qualidade era
aproximadamente 50% inferior. No entanto, a participante se aprimorou
progressivamente. Até o fim do segundo dia já conseguia reproduzir a figura com
grande similaridade. Anstis concluiu que, mesmo que sofresse de astigmatismo,
EI Greco teria rapidamente se adaptado a essa condição.
Então, por que EI Greco pintava
figuras tão estranhas? Evidências artísticas oferecem uma explicação diferente.
Estudiosos afirmam que ele produzia esboços com proporções comuns e somente
depois; na hora de pintar, alongava as imagens. E fazia isso de forma seletiva,
retratando, por exemplo, os anjos mais altos e esbeltos do que os humanos. O
fato de que nem sempre empregava o estilo alongado sugere que o método era uma
escolha estética.
OS OLHOS TORTOS
DE REMBRANDT
Abra
e feche rapidamente os olhos, um de cada vez, e você vai notar que o esquerdo e
o direito têm perspectivas ligeiramente diferentes. Neurônios no córtex visual
usam o deslocamento horizontal entre esses dois órgãos para produzir uma visão
estereoscópica, um dos principais recursos para enxergarmos profundidade.
Nossas retinas são fundamentalmente estruturas bidimensionais, por isso a
percepção da terceira dimensão é uma ilusão, uma construção cerebral.
Em 2004, os neurocientistas Bevil
R. Conway e Margaret S. Livingstone, então da Escola Médica de Harvard,
mostraram que os olhos do pintor holandês do século 17 Rembrandt van Rijn
estavam, muitas vezes, desalinhados nos autorretratos, de modo que um deles
parecia encarar diretamente o observador, enquanto o outro olhava para o lado.
Margaret e Conway se perguntavam se Rembrandt teria pintado a si mesmo com
impressionante precisão: nesse caso, talvez fosse estrábico divergente. Eles
analisaram aspectos do olhar do pintor em 36 autorretratos e descobriram que,
se essas obras fossem fiéis à sua vida, Rembrandt, na verdade, teria tido algum
problema na visão estéreo, ou seja, era incapaz de usar o deslocamento
horizontal entre os olhos para ver em 3D. Basicamente, trata-se de uma
dificuldade para enxergar profundidade com pistas estereoscópicas. Isso pode
ter sido vantajoso para ele, já que é rotina entre estudantes de arte fechar um
dos olhos para replicar o mundo tridimensional em uma superfície plana com
maior precisão. A cegueira estéreo pode ajudar os artistas a transformar o
mundo em duas dimensões.
Os resultados preliminares
sugerem que estudantes de arte têm menor capacidade de visão estéreo do que os
de outras áreas e que os olhos de artistas consagrados apresentam
desalinhamento mais pronunciado em relação à população em geral. Essa
peculiaridade pode não tornar ninguém um grande mestre (muitos artistas, aliás,
têm a visão sadia, enquanto a maioria das pessoas com cegueira estéreo não
exibem nenhum talento especial). Mas os primeiros esboços de indivíduos com
essa característica podem ser mais precisos do que o de alunos com a visão
comum, e essa característica pode ajudar a encorajá-los a perseverar na
formação artística.
AUTORRETRATOS DE
UMA MENTE EM RUÍNAS
O artista
americano William Utermohlen foi diagnosticado com Alzheimer em 1995, quando
tinha 61 anos. Nos cinco anos seguintes, à medida que a demência piorava, ele
usava a arte para acompanhar a desintegração de sua mente. Os autorretratos de Utermohlen,
como os esboços posteriores a 1996, oferecem uma janela para a experiência do artista
em relação à progressão da própria doença. É provável que diversas mudanças
estilísticas nas representações seja m resultado do rápido declínio das
habilidades visuoespaciais e o motoras de Utermohlen ao longo de pouco tempo.
Os retratos são angustiantes: expõem uma mente que tenta, corajosamente,
compreender a si mesma, apesar da deterioração.
PARA SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO
A neurological
disorder presumably
underlies painter Francis Bacon distorted world depiction. Avinoam B.
Safran e outros, em Frontien in Human Neuroscience, vaI. 8, artigo n9
581, 29 de agosto de 2014.
Ophthalmology
and art: simulation ofMonet's cataracts and Degas' retinal disease.
Michael F. Marmor, emJAMA Ophthalmology, vaI. 124, n9 12,
págs. 1764 1769, dezembro de 2006.
Was Rembrandt
stereoblind? Margaret
S. Livingstone e outros, em New England Joumalof Medicine, vaI. 351,n°
12, págs. 1264-1265, 16 de setembro de 2004.
Some
workmen can blame their tools: artistic change in an individual with
Alzheimer's disease. Sebastian
J. Crutch e outros, em Lancet, vol, 357, págs. 2129- 2133,30 de junho de
2001.
(Inspirado
no artigo Percepções Distorcidas de Susana Martinez-Conde e Stephen L. Macknik,
publicado na revista Scientific American, Mente Cérebro, nº 266, 2015).
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