CARTA ABERTA AOS POLÍTICOS DO BRASIL: POR UMA POLÍTICA CULTURAL LEGÍTIMA, EFICAZ E EFETIVA, VOTA BRASIL!
Ilustríssimos
Senhores e Senhoras, futuros Prefeitos e Prefeitas, Governadores e Governadoras
de Estados, Senhora Presidenta da República Federativa do Brasil.
Falar um pouco da
compreensão das questões culturais do Brasil e de como a fome assola tanto as
mentes malditas de políticos metidos a economistas que propalam aos quatro
cantos do Brasil que o mundo gira em torno do dinheiro e da economia quando a
vida mostra que a economia faz parte da atividade humana, mas jamais será o
centro de tudo como pretendem alguns para valorizarem seus ofícios e
remunerações, é chover no molhado.
Senhoras e senhores,
não há possibilidade de pensar no Brasil apenas na circulação de mercadorias, no desenvolvimento
da capacidade produtiva do País, na satisfação das demandas mais elementares de
sobrevivência, no aumento do poder aquisitivo, na saúde, na habitação, no
transporte e todos os direitos sociais inseridos ou não na nossa Lei Maior. É
evidente que esse conjunto que compõe as necessidades básicas mais reconhecidas
pela sociedade é fundamental. Não existe possibilidade de fortalecer, de se
desenvolver se não gerarmos redução da desigualdade social. Aumentar o poder aquisitivo por meio do aumento da
capacidade produtiva da sociedade é uma instância que já está na consciência,
já faz parte da demanda social, de um programa de cidadania, e o Brasil, um
país com a dimensão que possui, com uma riqueza cultural, como a nossa,
reconhecida no mundo todo como uma das maiores diversidades culturais do mundo
não pode continuar tendo e elegendo governantes que insistem em ignorar a
importância social, a importância de projeto de qualidade de vida, a
importância para o desenvolvimento, considerando que hoje está entre as três
maiores economias do mundo, a que mais cresce e a que mais emprega.
De forma errada,
completamente equivocada e contraditória, a questão cultural sempre foi tratada
à margem dos problemas mais importantes do país e como coisa de somenos
importância. O ex-ministro Gilberto Gil
dizia que o Estado brasileiro tratava a cultura como se fosse a cereja
do bolo. Na hora da festa, convidavam-se os artistas, dava-se um brilho aos
eventos, geravam-se políticos pontuais de se associar aos artistas plásticos,
cantores, músicos, atores, e outras áreas da cultura que tinham uma
proeminência social. O Estado
estabeleceu uma relação privilegiada para conseguir captar essa sinergia social
produzida pelos artistas.
O principal slogan do
Ministério da Cultura era de que “Cultura é um bom negócio”, reflete bem a
lógica de como ainda é encaminhada a questão cultural e isso não é um reflexo
do encaminhamento de estratégias dos governos federal, estadual e municipal, ao
contrário, isso é um equívoco e mais um passo na direção ao retrocesso.
Historicamente, desde
os primórdios, sabe-se que a relação amorosa entre os Estados e a cultura nunca
foi das mais fáceis e um não sobrevive
sem o outro pois a cultura é indispensável para formação da Nação, do
desenvolvimento da sociedade, dos vínculos sociais e economia. Mas essa relação
de amor e ódio visceral caminha complexamente ora na direção da isenção, ora do
distanciamento, ora do intervencionismo, ora no excesso de presença do Estado
na produção cultural até mesmo quando absurdamente determina as correntes
estéticas e padrões culturais como prioridade nacional, tornando ineficaz todo
e qualquer pensamento e atitude críticos cuja a história recente revela em suas
páginas a desconfiança da produção cultural, de seus órgãos e seus agentes.
Também é fato, que
historicamente o Estado brasileiro além de ter frequentemente sua legitimidade
questionada e pequena, também é fato inegável que pouco o Estado tem feito para
melhorar sua relação com os autores culturais e menos ainda tem-se mostrado
sensível aos interesses da sociedade, que tem dado amplas e inegáveis provas de
que é capaz de absorver demandas e transformá-las em
processos de construção e fortalecimento do conjunto dos artistas e da própria
sociedade como um todo.
Pode até parecer
contraditório falar em falta de legitimidade quando de quatro em quatro anos o
brasileiro é intimado para obrigatoriamente eleger seus governantes. Mas vejam, temos um histórico recente de
governos autoritários e mesmo com eleição obrigatória é fato que o brasileiro
não se identifica nem com as políticas que são desenvolvidas e não raro se vê
traído pelos eleitos no dia seguinte da eleição pelo abandono das promessas e
programas de governo em troca do vil metal. Assim, com o aceno de outras e
igualmente importantes questões sociais, a maioria da população aceita a
deslavada traição cultural, e mais uma vez são colocados a deriva os inadiáveis
projetos de melhoria cultural para toda uma nação e gerações inteiras.
Senhores e senhoras,
não há a menor possibilidade de se vislumbrar um país de tamanho continental
como o Brasil apenas e isoladamente pelas lentes da circulação de mercadorias,
da balança de exportação, do desenvolvimento da capacidade produtiva, da
satisfação das necessidades mais elementares de sobrevivência, da indiscutível
necessidade de aumento do poder aquisitivo, da saúde, do trabalho, da
habitação, do transporte. É evidente que esse conjunto de direitos assegurados
pela Constituição Brasileira, e no qual se encontra no mesmo patamar a cultura,
são fundamentais e indissociáveis. Mas igualmente é evidente que a
população tem como necessidade básica a cultura e não existe a menor
possibilidade de fortalecer a cultura, de desenvolver e incentivar meios de
fomento da cultura se o Estado não gerar meios eficazes de diminuir e até mesmo
acabar com a desigualdade social. Afinal, aumentar o poder aquisitivo por
intermédio do aumento da capacidade produtiva também no meio artístico é uma
instância que já está na consciência da cidadania e faz parte da demanda
social, muito embora o Administrador público quando eleito e empossado, traindo
promessas de campanha eleitoral, se torna contumaz e dolosamente reincidente ao
fazer vista grossa quando desvia recursos de programas culturais, frustrando
sonhos de cidadania cultural de uma nação inteira.
Sim! Temos garantido
por lei o direito de produzir e ter acesso aos meios e modos culturais não
apenas como letra morta na lei, e os futuros governantes do Estado Brasileiro
precisam necessariamente possuir visão estratégica para a cultura e obrigatoriamente devem passar a
tratá-la como uma necessidade básica urgente e inadiável, pois o que diferencia
o ser humano de todos os outros animais é a capacidade de simbolização, de
produção de cultura, necessidade de expressão e estamos sempre envoltos pela
dimensão simbólica. Além disso, já foi dito que existe um filme de Godard que a
mãe está lavando louça, e a filha ao lado questiona: “Mãe, o que é linguagem?”.
E a mãe placidamente responde: “Linguagem é a casa onde a gente mora”.
De fato, “linguagem é
a casa onde a gente mora”, e a visão de cultura é a mesma se tomada em sentido
amplo - a produção de valores, a produção simbólica, as artes, as expressões
culturais que são múltiplas, e com essa complexidade, esse mundo simbólico –
ela é o que nos caracteriza como seres humanos; o que caracteriza a cultura
como uma necessidade básica inadiável por qualquer governo, seja federal,
estadual ou municipal. E tanto isso é verdade que o ser humano produz cultura
em qualquer ambiente, por mas degradado socialmente que esteja. E tanto isso é
uma verdade inquestionável que pode-se discutir a qualidade da produção, a
pertinência de valores, pode-se discutir a recriação do universo que
determinada comunidade produz, pode-se discutir tudo no mundo da cultura e das
artes, e isso prova a sua diversidade e possibilidade infinita, mas não se pode
negar a urgência de uma efetiva e eficaz política cultural para o Brasil.
Então, como a
construção simbólica é um processo social e é ao mesmo tempo uma necessidade
social e se dá em qualquer situação,
portanto um direito assegurado a todos os brasileiros até mesmo na
Constituição Federal, cabe ao Estado a obrigação de satisfação desse direito
até porque a todo direito corresponde uma obrigação equivalente. Entretanto, a
produção cultural não é espontânea, daí a necessidade de existir escolas de
formação acessível a todos, mesmo para os que não serão artistas, daí a
necessidade urgente de rever os critérios de fomento, de equidade e justiça na
distribuição de verbas públicas, incentivos e financiamentos de projetos
culturais longe de apadrinhamentos políticos perniciosos, retrógrados,
antidemocráticos e infelizes como se denota facilmente, escandalosamente e vergonhosamente no Brasil, hoje; e o Estado
tem a obrigação de dar acesso a produção cultural a sociedade, e sem essa
dimensão a sociedade enfraquece seus vínculos.
Na década de 1960,
quando a televisão começou a ser implantada no país, muitos intelectuais
estranharam o pipocar de antenas de televisão em casas que não haviam nem
comida na geladeira, aliás, nem geladeira nem luz elétrica, e intelectuais
questionavam o por que a televisão havia se tornado objeto de desejo mais
importante?! Exatamente por essa importância!!!
Ora, não se pode
esquecer que até o fim da década de 1950 mais de 80% da população vivia no meio
rural e o fluxo migratório para as cidades contribuiu pra a urbanização de
cidades, e as pessoas oriundas do campo estavam em busca de educação, de saúde,
trabalho e também de acesso a cultura e informação. Então, naquele momento
somente a televisão foi capaz de corresponder a sede de cultura, e essa sede foi
uma necessidade básica independente da discussão sobre a televisão ser capaz de
satisfazer plenamente as demais necessidades básicas. Portanto, a cultura é
ponto central na vida das pessoas e pode ser abordada e compreendida em três
dimensões: a simbólica, que me referi, ressaltando como uma dimensão essencial
da condição humana, e depois como direito, ao qual também me referi, e por
último como uma economia estratégica para o desenvolvimento do país.
Infelizmente, no
Brasil não se compreende ainda a importância da economia da cultura, do mercado
de trabalho que a cultura produz, da movimentação financeira que gera, nas
milhares de oportunidades que cria, no volume de dinheiro que movimenta todos os dias e anos. Assim
como os economistas, todas as famílias políticas no Brasil tem por obrigação de
compreender a política cultural porque, numericamente, em termos absolutos, já
é uma economia relevante no mundo inteiro e só o administrador público no
Brasil não se deu conta disso ou finge que não sabe, pois temos uma das maiores
diversidades culturais do mundo, mas desgraçadamente não conseguimos
compreender a importância e as possibilidades de alavancar nossa economia a
partir disso a exemplo das políticas consolidadas na área da construção civil,
indústria automobilística e todos os setores tradicionais da economia, e as
artes plásticas e cultura de um modo geral permanecem como um hiato, um triste
e enfadonho calo para as administrações brasileiras, uma lacuna política que
padece na Unidade de Terapia Intensiva da economia entregue a própria sorte,
pois temos uma diversidade cultural admirada e atraente para o mudo inteiro,
mas que é desprezada pela falta de conhecimento, de aptidão e vocação do
próprio administrador da coisa pública.
A presença do artista
e da arte brasileira no mundo é fruto do esforço individual de cada
artista e de seu produtor. Então
atingimos algo impressionante, o talento do brasileiro é considerado e
reconhecido como um dos melhores do mundo, mas que se firmou sem qualquer
participação do Estado até porque o Brasil nunca teve uma política para colocar
o talento do brasileiro em evidência num patamar satisfatório do ponto de vista
econômico; do mesmo modo, é impressionante que o Brasil seja um dos poucos
países do mundo, fora os Estados Unidos, em que 80% da música que é consumida e
veiculada no país é produzida no próprio país, e nem esse fato consegue chamar
a atenção de nossos economistas e estrategistas de políticas públicas da área
econômica, que não tiveram a capacidade
de perceber o potencial econômico que a atividade cultural gera; e o mesmo fato
comprovadamente se repete na indústria da animação que emprega uma enorme
quantidade de brasileiros, e se repete todos os dias no mercado de artes
plásticas, cinema, teatro e por aí segue a lista.
Essa área da
economia, essa terceira dimensão que chamo de atenção da cultura, conta com uma
incompreensão profunda, uma incapacidade de compreender cultura econômica, que
é uma economia estratégica. Essa área já é responsável, segundo o Ipea e o
IBGE, por pouco mais de 5% do PIB brasileiro – sem mencionar as repercussões
nas cadeias produtivas, porque esta pesquisa ainda não foi feita. E temos aqui
ainda a geração de quase 6% do emprego formal do Brasil, mais do que a
indústria da construção civil, mais do que muitas dessas economias que contam
com um carinho enorme por parte das políticas econômicas de governo, no sentido
de protegê-las e alavancá-las e de dar uma dimensão de fato
Deve-se encarar a
cultura em três dimensões. A primeira como fato simbólico, como dimensão
importante da constituição do conceito de Nação, de desenvolvimento do povo
brasileiro de recriar o mudo e de interpretá-lo. Aqui a expressão povo há de
ser entendida tanto a identidade coletiva quanto individualidade, a cultura tem essa
capacidade, potencializar indivíduos ao pleno acesso a cultura no sentido
de inserir no mercado de trabalho com
cidadão, com ser capaz de se tornar produtivo dentro das seu país.
A segunda dimensão é
a do direito. Os números no Brasil são escandalosos. Sempre soubemos que quando
fizéssemos a pesquisa sobre o índice de
acesso a cultura no Brasil, nos depararíamos com algo assustador PORQUE
A CULTURA NUNCA FOI TRATADA COMO POLÍTICA PÚBLICA E OS DADOS SÃO NECESSÁRIOS,
precisa-se de formações detalhadas sobre o desenvolvimento da atividade cultural e artística para definir quais são
as metas, as estratégias, as táticas que serão usadas para ampliar o acesso e o
desenvolvimento dessa atividade.
Segundo dados
fornecidos pelo atual Ministro da Cultura, somente 5% dos brasileiros entraram
alguma vez na vida em um museu, só 13% dos brasileiros vão ao cinema com
frequência média de uma vez por mês; 92% dos municípios brasileiros não têm um
cinema sequer, nem teatro, nem centro
cultural; apenas 17% dos brasileiros compra livros.
Então, quando se fala
de falta de acesso pleno a cultura, isso significa que o povo faz cultura
independente do Estado, independente das
condições sociais e econômicas a que tem acesso. E faltam no Brasil as
condições básicas para o desenvolvimento cultural e o Estado é o grande ausente
desse processo, e não podemos esperar que o mercado resolva isso até porque o
mercado tem interesse nas áreas lucrativas da atividade cultural, mas o mercado
não é justo, é partidário e é um dos lados do setor que explora a mão de obra,
o talento, a criatividade, a obra do autor e do artista sem a devida e justa
contrapartida, sem a a remuneração a que faz jus. Mas, muito ao contrário, pelo
arcaico processo da escravização da mão-de-obra e exploração da obra alheia,
como voraz parasita sanguessuga.
Para se garantir o
desenvolvimento da política cultural, seja na seara das artes plásticas, da
música, do teatro, da dança, do cinema e de toda e qualquer área da atividade
cultural, pela complexidade, é preciso a
participação efetiva do Estado para suporte de educação e de capacitação para
garantia de desenvolvimento. Portanto, é imprescindível a participação do
Estado, e sua omissão e remediação é absolutamente prejudicial até mesmo quando
a questão cultural funciona como um fator de qualificação de ambientes sociais
e das relações sociais, e essa dimensão é facilmente comprovada.
Apesar de novidade
para alguns, é fato que a cultura tem relação direta também com a questão de
segurança e estudos americanos e canadenses comprovam que onde há
desenvolvimento cultural a violência cai de modo significativo, e isso pode ser
visto na famosa política de tolerância zero americana que foi aplicada
inicialmente em Nova Iorque, de punir todas as infrações, mesmo as pequenas, e
criar uma relação com a lei de respeito as regras sociais, através da criação
de aparelhos e equipamentos de arte e cultura, com a possibilidade de acesso
para as pessoas que viviam em meio social de risco, nos becos e conhecidos
redutos de marginais. Porém no Brasil, o que ganhou repercussão foi o aspecto
repressivo por influência da imprensa, do governo por acreditar que por meio da
repressão, consegue-se qualificar ambientes tornando-os menos violentos e mais
habitáveis socialmente.
Inobstante o crime de
ausência do Estado na política cultural, é certo que a população tem
desenvolvido suas estratégias até com certo grau de espontaneidade,
constituindo organizações da própria comunidade, por intelectuais orgânicos,
por organizações não governamentais, por igrejas, associações, grupos, ao ponto
do Brasil possuir hoje mais de 200 mil grupos culturais nas favelas, nas
periferias, nos assentamentos rurais, nas tribos indígenas. Portanto, é uma
quantidade enorme de grupos culturais existentes que nunca tiveram visibilidade
nem para imprensa nem para os governos municipais, estaduais e federal.
Portanto, é patente a
necessidade de qualificar ambientes por meio da atividade cultural, que é uma
dimensão pouco lembrada na sociedade brasileira, mas é um direito no qual cada
indivíduo escolhe qual é o instrumento, o estilo, o artista, a linguagem com
que ele mais se afina, mas não há a possibilidade de se viver sem criar relação
com essa dimensão, tão imprescindível quanto a alimentação, o trabalho, a
moradia, o lazer.
Certa feita alguém
disse que os artistas são a antena da raça que interpretam o que a sociedade
vive, pensa, espera e faz, e o que estamos vivenciando e toda a sociedade e
governos não foram capazes de compreender por sua complexidade; já foram objeto
e tema de trabalho de alguns artistas conhecidos e outros nem tanto, e que
embora o Estado não tenha compreendido ou colocado em prática, é certo que sem
esses artistas seriamos capazes de entender, mas.com um grau infinitamente
inferior ao que é possível depois dessa contribuição; o que comprova que essa
dimensão é relevante.
Sem dúvida, o Estado
Brasileiro será a quinta economia do mundo de acordo com cálculos de
economistas mundiais em no máximo dez anos. Temos todas as condições e estamos
caminhando no sentido de nos tornar uma das maiores do mundo. Mas se queremos,
de fato, construir a sociedade que sonhamos, temos de alargar o campo de visão
do projeto de desenvolvimento do País para uma abordagem mais profunda da
construção da política cultural, o que me parece profundamente didático a
começar da ampliação do mercado interno, pela incorporação de pessoas ligadas a
atividades culturais, até então ignoradas do ponto de vista puramente
capitalista. O País não pode continuar como um mercado quase que de monocultura
e é estratégico para o Brasil corrigir o rumo do seu desenvolvimento e
incorporar na sua economia essa rica face do PIB. Então, é fundamental
incorporar economicamente o artista e o produto do artista e do povo
brasileiro. É importante agregar valor ao desenvolvimento brasileiro. Não podemos pensar como pensávamos na metade do
século passado, éramos uma China da época. Tivemos um dos maiores índices de
desenvolvimento econômico, mas com enorme custo social e ambiental. Estamos
pagando o preço até hoje.
Portanto, a conclusão
é que não basta incorporar economicamente as pessoas. Não basta aumentar seu
poder aquisitivo. O resultado disso seria apenas a ampliação do consumo de
proteína e carboidrato. Dinheiro no bolso e cabeça vazia é vendaval. Então, é
necessário constituir também o desenvolvimento cultural e especialmente
artístico do povo brasileiro.
Há dois vetores
estratégicos para a sociedade brasileira. Desses dois, um já está consolidado:
a consciência da necessidade de cultura de qualidade para todos os brasileiros
e o governo ainda persegue isso, ainda está tateando, ainda está construindo o
modelo brasileiro de garantia de cultura, de arte e educação de qualidade para
todos, mas já está na consciência da cidadania a necessidade de ampliar,
universalizar o acesso à cultura, a arte, a educação. Não basta universalizar
as artes plásticas, a cultura de um modo geral, a educação, não basta ter uma
estatística de 99% dos jovens e das crianças na escola. É preciso que a escola
pública e de boa qualidade seja capaz de garantir a mesma qualidade de educação
numa cidadezinha no interior do Rio Grande do Sul como Anta Gorda ou em Porto
Alegre, em Ribeirão Preto-SP, Brasília, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Piauí, ou
nos bairros do Amazonas ou Acre. Mas isso ainda é pouco. A cultura e a arte de
um modo geral é o que dá possibilidade do sentimento de pertencimento à mesma
nação. É preciso que o gaúcho, o paraense, o baiano, o pernambucano, o
piauiense e o goiano se sintam pertencentes à mesma nação, com a mesma
possibilidade de acesso ao mundo simbólico dessa sociedade. É preciso
enriquecer esse mundo simbólico.
O Brasil é o País
mais complexo, sob o ponto de vista étnico e cultural do mundo que jamais
puderam imaginar nossos mais intelectualizados segmentos desde do fim do século
XIX quando éramos colonizados dramaticamente por portugueses, povoados por
indígenas e africanos que viveram como escravos para trabalhar nas lavouras e
na mineração. Há mais libaneses no Brasil do que no Líbano. Temos quase 30
milhões de descendentes de italianos e a maior colônia japonesa no mundo. Eu
mesmo morei numa delas em São Paulo. Praticamente todos os povos do mundo
compõem, como parte significativa ou não-significativa, o povo brasileiro. E
isso tem relevância. Somos uma Nação de boa cepa, com generosidade, capacidade
de dialogar, e exemplo disso é que mais de 30 comunidades ingressou com pedido
junto ao governo para realização do Projeto Ano do Brasil – Itália, Portugal,
Espanha, Inglaterra, China e outros. O Brasil se tornou o player cultural do
mundo, e a cultura brasileira é uma economia importante.
A nossa identidade é
complexa, com desigualdades, mas com enorme potencial de construção de um
sentimento de pertencimento ao mesmo povo. Todas as nações do mundo que são
ricas em energia, em água, em biodiversidade, em minerais, como é o Brasil, são
alvo da cobiça internacional, e são alvo de ações no sentido de desagregar o
tecido social. A exemplo disso tem-se que o Líbano já foi o paraíso da
convivência social do Oriente Médio. E, artificialmente, de fora para dentro,
inocularam o ódio ali entre aquelas comunidades de diversas situações culturais. Muçulmanos de vários
matizes brigam entre si, bem como católicos, etc. E não estamos livres
disso. É preciso, na medida em que
crescemos, ir fortalecendo a coesão social. Tal fortalecimento é construção de
igualdade, de justiça social, de acesso, de sentimento de pertencimento e de
constituição de uma superestrutura identitária que seja capaz de agregar essa
diversidade que o Brasil hoje concentra. Esse é o epicentro do melhor lugar do
mundo para se viver, esse é o quadro que qualquer país do mundo gostaria de ter
como perfil do passado para projetar-se no futuro.
Além disso, a
economia da cultura e das artes pode-se tornar a economia mais importante do
Brasil, junto com a economia oriunda da biodiversidade brasileira. E não se
trata de longo prazo, mas de curto prazo. Se montarmos uma infra-estrutura para
as artes plásticas, para o audiovisual, para animação, para a música, teatro,
dança, seremos capazes de produzir renda e emprego numa escala não vista.
Porque espontaneamente chegamos a 5%, e o próprio Ipea e o IBGE constataram que
mais da metade dessa cultura (quase 53%) está na informalidade, não é
reconhecida pela sociedade e não gera recursos porque não há impostos.
Portanto, a compreensão generosa das artes e da cultura em geral passa também
por uma visão pragmática de incluí-la no cerne de projeto de desenvolvimento do
País, na economia, nas estratégias de aprofundamento da coesão social e da
identidade de todos os brasileiros, na necessidade de lidar com as
adversidades. Adversidade não é um fator de enfraquecimento da Nação, muito
pelo contrário. Quando se vê um gaúcho numa manifestação musical ou de dança,
sabe-se que é do Rio Grande do Sul, mas sabe-se também que é parte do País. O
mesmo acontece quando se vê um samba carioca, um maracatu. Temos uma matriz
positiva, o que não se pode é fingir que não existe discriminação, racismo,
incapacidade social de incorporar todos os brasileiros, desigualdade profunda e
um sistema que, se deixarmos à mercê das leis do mercado, sem as regras do
mundo público, vai gerar concentração. É a lei do mais forte, sempre.
FATO ABSURDO QUE
MERECE ATENÇÃO E REPULSA PELA MAIORIA ABSOLUTA DO POVO BRASILEIRO É QUE DO
DINHEIRO APLICADO PELO MINISTÉRIO DA CULTURA, 80% FICA EM DOIS ESTADOS DO
BRASIL: RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO; 60% FICA EM DUAS CIDADES E, DENTRO DESSAS
CIDADES, 3% DOS PROPONENTES FICAM COM 53% DO DINHEIRO DO MINISTÉRIO. É ESSA A
VERGONHOSA REALIDADE QUE SE ENCONTRA NO PAÍS.
O Brasil tem o parque
arqueológico mais importante do mundo, na Serra da Capivara, no interior do
Piauí, com os traços mais antigos da presença do ser humano no planeta.
Cientificamente é exemplar: ganhou uma polêmica intelectual com a Academia de
Ciência da França porque aquele país queria manter o privilégio de ter a marca
mais antiga. Depois de muito debate, eles reconheceram que, sob o ponto de
vista de parque, é exemplar. E ainda assim, não se consegue um tostão de
investidores! Não bastasse isso, um diretor de marketing de uma grande empresa
ao ser questionado sobre a possibilidade de investir dinheiro nesse parque
respondeu: “Querem que eu enterre dinheiro no interior do Piauí?”. De fato, é
até compreensível e, aliás, até louvável a sinceridade dele. Afinal, quando uma
empresa se associa à Lei Rouanet, ela quer retorno de imagem. E o retorno de
imagem e quem pode dar são os segmentos mais bem aquinhoados da sociedade, nas
cidades mais desenvolvidas, nas atividades culturais das classes que são
consumidoras em potencial. Jamais vão investir em escolas de artistas, escolas
de técnicos para cultura. É incontornável o papel do poder público, ora
regulando, ora distribuindo, ora potencializando. É isso que precisamos
aprender no Brasil, a constituir um Estado a serviço da sociedade, não a
serviço de partidos, não a serviço de grupos, não a serviço de segmentos de
empresários. A esfera pública é a dimensão que falta consolidar no Brasil para
que, de fato, caminhemos na direção do País que queremos, e a cultura é
essencial dentro desse programa.
Assim, espera-se que
os próximos governos no Brasil façam o que os anteriores prometeram e não
cumpriram, deixando a classe artística a ver navios. Espera-se seriedade para
com a política cultural e artística, espera-se uma política cultural digna do
povo brasileiro. Espera-se um tratamento digno para todos os artistas.
Espera-se dos governos o mesmo tratamento
igualitário deferido as demais categorias profissionais, por excelência.
Saudações
advocato-artísticas a todos que serão eleitos, pois não se padecerá jamais como
gado que pacificamente é levado ao matadouro.
Atenciosamente e
esperançosamente,
Porto Alegre-RS, 02
de outubro de 2010.
MARMEL
aTONio MARtins MELo
Artista Plástico.
Advogado Pós-Graduado. Arquiteto da própria
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